Bases Epistemológicas
- Pelo mundo social das crianças – As pesquisas do GEPCEI partem do pressuposto de que qualquer temática da/na infância deve partir do estudo de crianças concretas em situações sociais que velam modos de inclusão e exclusão social. Isto implica considerar que os objetos de estudo não devem ser as crianças e, sim, as mediações que indicam formas de a-sujeitamento das crianças. O mundo social aqui referido é constituído e constituinte das relações humanas em processos históricos e em condições materiais concretas. Portanto, falar de pesquisas na infância é falar também da tensão que se coloca entre objetividade-subjetividade marcando modos de sociabilidade, a ação social e a identidade das crianças. Se por um lado o anúncio deste Método de Análise permite compreender a realidade em seus processos de historicidade, por outro, é preciso ainda um referencial teórico que permita aproximar as categorias de análise a partir de um crivo epistemológico: trata-se da opção pelos estudos críticos.
- Por um Método de compreensão da realidade – O pressuposto epistemológico que orienta os estudos no GEPCEI tem sua base em uma opção de método: os fundamentos do Materialismo Histórico Dialético que articulam tensões entre: movimento, contradição, dialética, a relação passado-presente, a parte-todo e universalidade-singularidade. Trata de reafirmar aqui uma opção política que alicerça os estudos neste Grupo de Pesquisa: a denúncia de tudo aquilo constitui a barbárie e a (des)razão e, por consequência, os processos de (des)humanização da infância. As críticas à essa lógica são também expressões que constituem a fertilidade dos estudos nesse Grupo. Da mesma forma, trata do anúncio do devir histórico que problematiza e sinaliza outros modos de compreensão do mundo, dos homens e das crianças. Qualquer objeto de estudo pode ser tomado à luz do Materialismo Dialético, desde que os estudos não percam as referências entre singularidade e universalidade. Por exemplo, a denúncia das condições que revelam o iniquilamento da infância é, por assim dizer, também a denúncia das condições sociais que a-sujeitam o homem na condição de sua humanidade.
- Por estudos críticos, emancipatórios e decoloniais:
O GEPCEI toma, a partir de uma perspectiva interdisciplinar, a Teoria Crítica, a Psicologia Social Crítica, a Psicologia Histórico Cultural, os Estudos da Criança e da Sociologia da Infância em suas vertentes crítica e os estudos decoloniais. A opção por uma linha de estudo ou outra depende muito do recorte do objeto e como ele pretende ser apanhado. De qualquer forma, nenhuma dessas perspectivas deixa de tratar de suas categorias deslocadas daquilo que anuncia o Método de Análise adotado. Mais do isso, é possível e necessário que o campo das pesquisas na infância se constitua interdisciplinar sem prejuízo à lógica que norteia aquilo que é disciplinar no trato das questões da infância e da criança. Sendo assim, traço aqui alguns pressupostos que contribuem para reafirmar os estudos críticos para os quais convergem as pesquisas do GEPCEI.
- Teoria Crítica – como possibilidade de compreender a sociedade burguesa e à propagação do seu caráter afirmativo: alta cultura, monocultura e conceito abstrato de homem, os processos de racionalização, a afirmação do ideal de homem burguês, a crítica à cultura de massa, (des)razão, hegemonia, barbárie, instrumentalização da razão, reificação, alienação, etc. Ao mesmo tempo, este campo de estudo anuncia novas perspectivas de emancipação humana;
- A Psicologia Social Crítica parte do reconhecimento do homem na sua história e na interseção de sua história com a história da sociedade. Pressupõe romper com a dicotomia sociologismo x biologismo, a fim de compreender o homem como agende de mudança, sujeito da história. Seus fundamentos indicam que os fenômenos psicossociais se dão na tensão dialética entre os aspectos micro e macro, uma vez que toma como estudo os aspectos que dão origem e encarnam no sujeito processos ideológicos. Neste contexto está em evidência a tensão dialética entre vida individual-vida social, indivíduo-grupo, perspectiva que só pode ser apreendida na perspectiva interdisciplinar com outras ciências Humanas. A Psicologia Social Crítica e o Materialismo Histórico Dialético convergem para o entendimento de que é necessário recuperar a subjetividade enquanto expressão da materialidade. Não há como apreender um indivíduo em seu estado psíquico manifesto. Não há subjetividade a priori. A subjetividade é constituída na relação dialética entre as questões objetivas e subjetivas. A Psicologia Social Crítica parte dos estudos empíricos (realidade concreta dos sujeitos) e toda a vida individual-social, para apreender as categorias de análise na compreensão dos fenômenos psíquicos;
- Psicologia Histórico Cultural – as pesquisas na infância devem considerar o desenvolvimento omnilateral da criança. Ou seja, em sua totalidade. Para isso, é necessário partir da compreensão de que a criança se situa no escopo daquilo que constitui a vida genérica do homem, portanto, em sua universalidade. Assim, ainda que ela se constitua com criança, ela também está referida como homem. E o que constitui o homem? É pelo trabalho/ação que o homem se afirma como sujeito de sua existência, construindo um mundo humano e humaizando-se nesse processo. Isto significa, produção de cultura. Este processo é dialético reafirmando o lugar do homem na produção de um conhecimento que saia do nível da aparência em busca da essência dos fenômenos e dos objetos. Trata, portanto, da afirmação de um sujeito, por meio do uso da linguagem e do pensamento, situado na história. Portanto, a Psicologia Histórico Cultural orienta os estudos a partir daquilo que constitui a dialética histórico-social, sendo os objetos de pesquisa na infância apanhados em sua historicidade. O que se quer destacar aqui é que o sujeito na Psicologia Histórico Cultural é concreto, é histórico, é de classe. Seu pensamento é, portanto, expressão de sua presença no mundo quando ele trata do conhecimento como ato humano. Ele o questiona, o interroga, o estranha e o valida. Neste ato, a produção do conhecimento é um processo de interferência do homem sobre o real e do real sobre o homem, isto é, um processo de interação que envolve o sujeito e o mundo. Sendo um processo que conta com a presença do homem, ele é histórico e é ação. Enquanto processo de descobrimento do real, a “verdade” do mundo e do homem não é dada; é buscada. E nesta procura ela é construída, marcando o homem e o mundo, transformando o homem e o mundo, deixando gravadas no homem e no mundo as marcas da ação do homem sobre o mundo e do mundo sobre o homem.
- Os Estudos da Criança – considera a infância como uma construção histórica, um grupo social oprimido e uma “condição social”, isto é, um grupo social que vive condições especiais de exclusão, em função do poder paternalista e adultocêntrico. Esta ênfase na especificidade das condições sociais de exclusão das crianças e a análise das relações entre a dominação paternalista e as outras formas de dominação social – de classe, de status, política, de género e cultural – diferencia o paradigma crítico dos outros paradigmas. (p. 37). Isto implica tomar o debate e as pesquisas na infância a partir da denúncia das condições que geram a exclusão social das crianças, seu silenciamento e marginalização, ao mesmo tempo em que anuncia sua condição social e histórica de sujeito de direitos. Assim, uma orientação crítica para o conhecimento da infância e das crianças e para a fundamentação de um projeto de transformação social que assume as crianças como participantes ativos. Ao mesmo tempo, é possível vislumbrar-se quanto falta fazer na consolidação do campo dos estudos da criança e no desenvolvimento da pesquisa crítica, no quadro de mudança e transformação da realidade social contemporânea e do estatuto social da infância. (SARMENTO, 2015, p. 45) O que se quer demarcar aqui é que os Estudos da Criança numa perspectiva crítica tem em si um conteúdo político em defesa das infâncias e das crianças. Sua formação não separa a produção social do conhecimento produzido nas pesquisas com as implicações políticas que reverberam na denúncia de tudo que assola a vida das crianças. Portanto, evoca temas como dominação política, social e cultural da infância, além da patriarcal e de gênero, os maus-tratos, as políticas públicas, os movimentos sociais, as relações das crianças com as cidades, o urbanismo e as políticas urbanas, a pobreza infantil, o trabalho infantil e, de forma genérica, as condições de exercício da cidadania infantil;
- Sociologia da Infância crítica trata em suas pesquisas de uma infância cuja temporalidade da vida, bem como seus sujeitos, não sejam tomados como objetos de estudos e pesquisas mas, acima de tudo, como sujeitos que convivem, vivem e transformam realidades contraditórias e excludentes. Todavia, não pode apenas interpretar ou constatar a realidade. Ao contrário, deve situar-se no campo do debate crítico e propositivo com vistas à transformação social. Em seus estudos as questões de gênero, etnia, raça, etc., são perpassadas pela questão de classe social. Aqui reside o fato de sua aproximação com a perspectiva dialética que implica revisitar a história, o movimento, a contradição e a promoção do devir histórico. Situar o debate da relação indivíduo-sociedade naquilo que tem se constituído o campo das ciências que informam a infância e a criança é a tarefa a ser na empreendida na Sociologia da Infância Crítica. Neste sentido, destaca-se a importância dos processos geracionais que constituem a alteridade na infância. Se entendemos que os processos de socialização também são importantes para se constituírem as concepções de infância e de criança, então não se pode deixar de dizer que a forma como a Sociologia da Infância entende os processos de socialização não pode desconsiderar o papel dos adultos nesse processo. Não só as crianças interferem e agem nesse processo, mas a presença do adulto é nele imprescindível. Há um saber e um fazer construídos pela história do mundo adulto que ajudam a criança a construir a sua história. Como a História é sempre social, ambos (crianças e adultos) se constituem reciprocamente, fato que revela o valor do saber adulto sem, contudo, torná-lo diretivo e autodeterminante. Do pressuposto de que se deve conhecer a sociedade a partir da criança e da infância por si mesmas, isso não se discute. Todavia, é necessário ter cautela no que diz respeito ao que é universal e singular nesse processo. É possível apreender na infância e na criança traços da sociedade já que é nesse espaço social que elas se constituem. Todavia, o risco pode estar exatamente em tomar como verdade absoluta o que advém do mundo da infância e da criança. O risco reside no fato de que o mundo da criança não deixa transparecer, à primeira vista, as contradições sob as quais ele foi construído. O que se quer reafirmar aqui é que as pesquisas na infância precisam garantir o primado da criança com sujeito de direito e sua ação no mundo social. Todavia, em uma perspectiva crítica, isso não se dá tomando uma criança a-histórica e a-social deslocada do mundo e da relação com outras crianças e adultos;
- os estudos decoloniais – acentuam a análise na perspectiva de uma crítica aos processos que engendram poder e dominação. Os estudos nessas perspectiva procuram romper com a hegemonia eurocêntrica na produção do conhecimento para a afirmação da luta, da produção e da propagação dos saberes dos povos que foram dominados/colonizados. É, portanto, um olhar para a realidade tomando por base a crítica ao modelo de produção e sociabilidade capitalista e ruptura com todos os padrões sociais dominantes. Seus estudos versam sobre os demarcadores sociais das diferenças: raça, classe, gênero, etnia, dentre outros. Os chamados estudos decoloniais vêm para confirmar uma perspectiva de análise dessas estruturas, com contribuições teóricas e investigativas heterogêneas sobre a colonialidade especificamente na América Latina. Busca-se, particularmente, a retomada de parte do pensamento crítico latino-americano etc., a partir de premissas epistêmicas compartilhadas sobre a problematização da colonialidade em suas variadas perspectivas. Estão em pautas nesse campo os saberes que assumam as diferenças e a diversidade.
Material de apoio e estudo – Materialismo Histórico dialético
https://www.youtube.com/watch?v=2WndNoqRiq8
https://www.youtube.com/watch?v=Dl3Yocu-1oI