DO OUTRO LADO DA MARGEM: DESAFIOS E PROPOSIÇÕES NO ENFRENTAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS DAS INFÂNCIAS EM PANDEMIA
Pesquisa em Rede
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ – Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ – Brasil
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS – Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE – Brasil
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO – Brasil
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – Brasil
Descrição do Projeto
Conhecer e mapear as condições de vida das crianças e suas famílias em pelo menos três das cinco macrorregiões brasileiras para enfrentar desigualdades sociais, investigando diferenças entre os diversos grupos para propor uma agenda de políticas públicas intersetoriais em pandemia.
Contexto do Projeto
No que diz respeito ao acesso à educação escolar, dados levantados pela Rede de Pesquisa Solidária (apud MACEDO, 2021), em agosto de 2020, indicaram que entre os meses de março a julho do mesmo ano mais de 8 milhões de crianças de 6 a 14 anos não fizeram quaisquer atividades escolares em suas residências. Em julho, a diferença entre as crianças mais ricas e as mais pobres foi gritante: enquanto apenas 4% das crianças mais ricas ficaram sem qualquer atividade escolar, tal número saltou para 30% entre as crianças mais pobres, evidenciando o desafio das desigualdades sociais e a defasagem das atividades considerando as condições das famílias brasileiras (MACEDO, 2021). Baseados em reflexões atuais de Santos (2020), entendemos que os efeitos da pandemia aprofundam as desigualdades sentidas de forma ainda mais intensas por grupos que se constituem como subalternos, a exemplo de trabalhadores/as informais; os/as sem tetos; os/as moradores/as das periferias urbanas; comunidades rurais, originárias (indígenas) e tradicionais (quilombolas, ribeirinhas); as mulheres cuja jornada de trabalho foi intensificada dentro de casa, inclusive no atendimento aos filhos/filhas, particularmente o grupo das crianças pequenas. Coutinho e Cardoso (2021), analisam a experiência de mulheres negras que tinham seus bebês matriculados em uma creche pública em Florianópolis, e concluem que os fatores de desigualdade que já estavam presentes antes da pandemia intensificaram a precarização de suas vidas, aumentando a ocupação do tempo dos cuidados dos bebês e familiares, reduzindo os recursos para a subsistência, dando visibilidade ao que Carneiro (2011) chama de matriarcado da miséria. Dados recentes da Epicovid-19 afirmam que a pandemia teve impactos diretos e indiretos na vida das crianças, seja pelo número de mortes ou pela perda de familiares próximos, sendo que essas desigualdades são mais fortemente sentidas entre as crianças pobres, negras, que residem em territórios rurais e tradicionais nas regiões Norte e Nordeste do país (ROSEMBERG e ARTES, 2012). Os resultados da pesquisa Epicovid-19 indicam ainda, a necessidade de se propor “[…] políticas públicas de combate à pobreza, de estimulação intelectual, de assistência médica […], de escolaridade, e assim por diante.” (VICTORA, 2020). Nesta perspectiva, esta pesquisa se propõe a construir indicadores referentes às desigualdades sociais vivenciadas de modos distintos em pelo menos três das 5 macrorregiões do país, apontando para a construção de uma agenda de políticas públicas intersetoriais para as crianças e suas famílias. Concordando com os dados preliminares da Epicovid-19, este projeto buscará compreender os efeitos da pandemia para visibilizar e garantir, por meio da proposição de uma agenda para políticas públicas, o atendimento à várias dimensões da dignidade humana, especialmente àquelas relacionadas aos direitos de proteção e provisão tais como o direito à Educação, formação, segurança alimentar e saúde.
INSUMOS
Para realização do projeto será necessário: Suporte tecnológico (informática e acesso à internet), deslocamento aéreo e terrestre, equipamentos tecnológicos (computadores, impressoras, por exemplo), materiais bibliográficos e de papelaria. Em linhas mais específicas (conforme orçamento detalhado):
- Serviços de terceiros
a) Produção/Manutenção do Banco de Dados/Repositório da pesquisa;
• Dados por macrorregião (incluindo instituições e grupos de pesquisa parceiros) • Dados para pesquisa geral;
b) Caderno Temático – produção dos resultados da pesquisa em uma linguagem que chegue à formação dos professores e às instituições de educativas.
• Total de 05 cadernos temáticos
• 01 por região (foco no recorte da pesquisa)
• Produção de Livro –Total de 01 livro
• 01 livro geral da pesquisa
c) Diárias
• Realização de 05 seminários regionais de pesquisa e/ou formação – 01 em cada região do país (parte do evento aberto ao público) para estudo, formação de professores, revisão e planejamento da pesquisa.
d) Passagens aéreas nacionais
• 06 passagens para cada pesquisador para participar dos seminários regionais e) Material bibliográfico Vale a nota que além das instituições parceiros, pesquisadores e seus grupos de pesquisa estão contemplados no cálculo dos recursos materiais e físicos para consecução do projeto e insumos em rede.
PROBLEMA
Conhecer e mapear as condições de vida das crianças e suas famílias em pelo menos três das cinco macrorregiões brasileiras para enfrentar desigualdades sociais, investigando diferenças entre os diversos grupos para propor uma agenda de políticas públicas intersetorial em pandemia são as premissas desse projeto. Estudos iniciais evidenciam que a pandemia reafirma as desigualdades sociais e as aprofunda de forma distinta em cada território nas macrorregiões do país. A saúde, como uma das dimensões dos direitos dos bebês e das crianças, desvela a fragilidade de políticas públicas intersetoriais que possam garantir o acesso ao atendimento mais igualitário. Durante a pandemia, houve o agravamento das condições materiais de vida de vários grupos sociais, compreendendo a diversidade e desigualdade que marcam as infâncias e envolvem condições econômicas, sociais, educativas e culturais. Neste cenário, questiona-se como essas diferenças sociais impactam na vida dos bebês, crianças e seus familiares após a experiência da pandemia 2020-2021, tendo por referência os contextos de diferentes grupos sociais – povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, do campo, de centros e periferias urbanas. O problema enunciado para este projeto é proposto por um grupo de pesquisadores, envolvendo grupos de pesquisas parceiros nas cinco macrorregiões do pais; quatro programas de pós graduação participantes (contando com o proponente), representando três das cinco macrorregiões brasileiras, que atuam com diferentes redes acadêmicas no país e com vinculações internacionais, em que os envolvidos buscarão conhecer, mapear, compreender, desvelar e comunicar os diferentes impactos vividos nos grupos sociais com os quais atuam. O problema está centrado em levantar elementos que possam sustentar políticas para a formação em educação, políticas públicas para a infância e a dimensão da existência das crianças em suas territorialidades, a partir dos dados que mostrem como essas foram afetadas nos seus contextos de origem pela pandemia em suas diferenças.
RELEVÂNCIA
O projeto será desenvolvido articulado em rede envolvendo as cinco regiões do país, considerando PPGs e pesquisadores participantes, na área da Educação em interface com Ciências Humanas (Estudos da Infância) em seu potencial de capilarização em espaços/territórios diversos, buscando levantar diferenças e consequências da pandemia em várias dimensões da vida das crianças e suas famílias. O estudo permitirá avançar na delimitação de indicadores sociais e educacionais que partam da análise das realidades de experiências infantis em diferentes territórios, considerando marcadores sociaiscomo os geracionais e de idade, de classe, étnico-raciais, de gênero, de localização geográfica (considerando regiões e se urbana ou rural), contribuirá para a constituição de um aporte que agregue aspectos no âmbito da diversidade, das diferenças e desigualdades sociais que marcam as infâncias.
DISCUSSÃO TEÓRICO METODOLÓGICA
No Brasil contamos com bases de dados que nos permitem acessar informações fundamentais para traçar perfis gerais da população, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), mas estas não podem ser aplicadas a todos os territórios e pouco abordam variáveis relativas à infância. Como aponta Qvortrup (2010), nos estudos sobre direitos e cidadania há uma espécie de limbo no que diz respeito às crianças. Essa constatação nos orienta a pensar na importância de um estudo estrutural, perspectiva importante, mas pouco presente no campo científico dos Estudos da Infância, e que explore dados diretamente relacionados às crianças ou que afetam as suas condições de vida, já que há “[…] políticas que pretendem ter impacto nas crianças ou na infância e políticas que não têm esse objetivo, mas que podem ter grandes consequências para elas” (QVORTRUP, 2010, p. 783), aspecto que foi observado durante a pandemia da COVID-19, como o acesso à renda emergencial pelas famílias com crianças. Nossas opções teóricas abordam a educação como um direito social e político de todos/as os/as cidadãos/ãs, em especial das crianças, desde bebês. Além do recorte escolar, definido como categoria fixa e estável, buscamos aporte nas epistemologias dos Estudos da Infância para subsidiar nossa problemática de pesquisa, que situam os conceitos criança e infância como controversos e de difícil compreensão (COHN, 2005); ou a infância como categoria híbrida, “com presença de fatores humanos e não humanos, discursivos e coletivos, que participam da sua definição (PROUT cf. BARBOSA, M. C. S. et al, 2016, p. 105). Desde os estudos de Philippe Ariès (1986) é corrente compreendermos que a infância é uma categoria histórica e, contemporaneamente avançamos para a compreensão de que esta é também situada socioespacial, política, e simbolicamente, evidenciando que tanto crianças quanto infâncias são marcadas pelos contextos socioculturais onde estão inseridas. Tomando como referência o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), no Brasil temos instituído que a infância dura até os 12 anos, mas cujas fronteiras são elas próprias, definidas pelos campos que as estudam, como a Educação, História, Sociologia, Antropologia, Direito, por exemplo. Todavia, o campo teórico-epistemológico dos Estudos da Infância nos dá elementos para analisar estes conceitos à “luz de prisma”, conceito emprestado da Física que mostrou que a luz branca é composta por diferentes frequências de luz. Ou seja, um conceito pode ser tomado em diferentes perspectivas, depende do prisma que se lança sobre ele. Assim, entendemos que o desafio posto para a sociedade e os estudos acadêmicos é constituir outras formas de pensar a rigidez das fronteiras entre os diferentes campos de pesquisa nos estudos sobre crianças e infância. Particularmente neste projeto de pesquisa, tomar como objeto de pesquisa crianças e infâncias sob os efeitos da pandemia de Covid-19, recoloca a complexidade da tarefa no centro desta proposta de pesquisa: como as crianças, enquanto segmento populacional, viveram sua infância em diferentes regiões do país, e quais são os impactos sociais, econômicos, culturais e históricos decorrentes da pandemia da COVID-19 para elas. Reconhecendo que o problema está situado em uma problemática complexa por si, apelamos para a proposição do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, para o qual “não será através de perguntas complexas, mas sim de perguntas simples, que encontraremos o significado dessa complexidade enquanto orientação para a ação” (SANTOS, 1988, p. 4). Enquanto campo de intersecção entre disciplinas e questionamentos sobre as características ou os atributos da infância nos distintos momentos vividos nos anos iniciais da vida, os Estudos da Infância caracterizam-se por procurarem compreender sobre as crianças a partir de dados não especialmente gerados por elas, mas por estudarem os artefatos que produzem e que medem as infâncias. Enquanto abordagem metodológica, se caracteriza como um estudo qualitativo, mas considerando dados quantitativos, de forma mista. A abordagem quantitativa se situa de modo mais demarcado na perspectiva estrutural dos Estudos da Infância e busca analisar os fatores macro-estruturais que afetam a constituição das infâncias enquanto constituidoras de uma categoria geracional permanente na sociedade (QVORTRUP, 2010). Já a abordagem qualitativa, focaliza a análise dos aspectos que afetam a agência das crianças, as relações estabelecidas por elas com seus pares e adultos, os eixos de submissão que aprofundam as desigualdades, e têm como marca a
consideração do ponto de vista dos sujeitos. Essa abordagem ancora os pressupostos de uma perspectiva interpretativo-crítica, na direção de interpretar os fenômenos sociais a partir da defesa de princípios que reconhecem os sujeitos como atores sociais com direitos. A partir do desenvolvimento do estudo, situado nestas diferentes perspectivas, propõe-se a elaboração de indicadores, entendidos como uma medida que permite aproximar, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, tanto de interesse teórico, como programático (JANUZZI, 2017). No caso deste estudo, a construção de indicadores focaliza o monitoramento das condições de vida das crianças, a partir de parâmetros que tratem do acesso à educação; das condições de subsistência – renda, saúde, alimentação; de moradia; dos tempos e espaços para brincar, dentre outros aspectos identificados ao longo do estudo.
ETAPAS DA PESQUISA
Etapa 1 – Apontar os dados acerca das condições das crianças/infâncias no período pré-pandemia a partir de
dados disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2016 a 2020; especialmente na PNAD-Covid19 (IBGE); na Escala Brasileira de Medida Direta da Segurança/Insegurança Alimentar (EBIA – https://obha.fiocruz.br/?p=602), no Censo Escolar (INEP) e demais fontes.
Etapa 2 – Mapear os perfis das crianças/infâncias em cada uma das 5 macrorregiões (questionário/fóruns regionais).
Etapa 3 – A partir deste perfil, cada grupo de pesquisadores/as das 5 macrorregiões fará uma proposta mais ampla para levantar as especificidades das crianças/infâncias investigando os marcadores sociais de cada
macrorregião.
Etapa 4 – será proposto um estudo de caso por macrorregião aprofundando a análise dos marcadores sociais indicados pela etapa 2 da pesquisa em cada uma das especificidades geo territoriais
das crianças/infâncias.
Etapa 5 – Elaboração do relatório final com a análise dos dados levantados e a proposição dos produtos indicados. A opção metodológica em rede implica consolidar as mediações interinstitucionais que já se realizam em termos de intercâmbio acadêmico em espaços compartilhados na pós-graduação. Nas diferentes IES que assumem a coordenação dos trabalhos, já estabelecemos redes com outras IES em pesquisas e ações formativas voltadas aos professores indígenas e comunidades tradicionais, e não indígenas nas redes de ensino municipal nas microrregiões envolvidas. A perspectiva metodológica é dialógica e dialética, reconhecendo os processos coletivos que envolvem os grupos de pesquisa vinculados aos PPGEs para a tessitura de respostas ao problema investigado e a elaboração permanente de ajustes voltados à melhor base para construção, coleta, análise, discussão e sistematização dos dados. No processo de realização e finalização dessa pesquisa, a previsão é que possamos desencadear cinco produtos vinculados ao seu desenvolvimento:
1. Construção de uma AGENDA de políticas públicas e educativas por meio da criação, organização e veiculação de um OBSERVATÓRIO DAS CRIANÇAS/INFÂNCIAS a partir dos impactos e proposições para o enfrentamento das desigualdades.
2. Proposição de INDICADORES para monitoramento dos impactos e enfrentamento dos efeitos da pandemia nos grupos de crianças/infâncias considerando diversidades e diferenças das cinco (05) macrorregiões brasileiras.
3. DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA POR MEIO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS e realização de DOIS (02) EVENTOS, sendo um nacional e outro internacional.
4.REPOSITÓRIO DOS DADOS DA PESQUISA para acesso público dos relatórios parciais e final.
5. PRODUÇÃO de MATERIAIS voltados para a formação docente e outros agentes interessados nas questões da infância (vídeos ou revistas/encartes temáticos). Nosso estudo propõe interfaces entre Educação e Políticas Públicas e reconhecemos, tal qual Santos e Cardoso (2021) que face à pandemia as crianças “sentem falta de seu mundo, de seus colegas, suas professoras, dos parentes que elas não conseguem mais visitar. Sentem medo do que chamamos luto e nos ensinam a intensidade (e luta) de viver o presente.” Estudar impactos da pandemia e propor uma agenda de ação em favor das crianças/infâncias/famílias para viver o presente com dignidade e saúde ajudam a compor as ideias para “adiar o fim do mundo” (KRENAK, 2019).