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Interseccionalidades na infância

Categorias de Estudo: interseccionalidade, raça, classe, gênero, idade, etnia, infância, demarcadores sociais das diferenças

A produção intelectual/política/acadêmica do GEPCEI parte de categorias de estudos e de análises que tenham como pressuposto a crítica aos processos de assujeitamento e subalternização da infância. As categorias de estudos são aquelas que, a priori, o tema nos provoca e convida ao estudo para compreensão do objeto. Já as categorias de análises são aquelas que emergem dos dados/realidade das pesquisas ou do aprofundamento do debate científico e nos ajudam na sistematização e compreensão dos objetos. 

Nesse sentido, a categoria interseccionalidade1 nos permite compreender melhor as desigualdades e a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade. Estamos falando, portanto, de um conceito sociológico preocupado com as interações e marcadores sociais nas vidas das minorias. Por meio dele é possível enxergar os sistemas de opressão: patriarcado, preconceito, sexismo, capacitismo, xenofobia, LGTBQIAPN+fobia. Esses sistemas de opressão não só discriminam, como também excluem. 

Portanto, no campo da interseccionalidade não só a questão do conceito de infância é problematizado, uma vez que procura-se romper com os padrões eurocêntricos de uma infância universalizada, como também considera-se as infâncias no plural a partir de suas múltiplas identidades: ribeirinhas, quilombolas, das matas, das florestas, do campo, da cidade, da periferia, negras, deficientes, dentre outras. Busca-se a denúncia dos processos e sistemas de opressão que têm impactado as diferentes infâncias. Estamos falando da crítica e da denúncia a tudo que invisibiliza os sujeitos. Como apreender esses marcadores no contexto das infâncias? 

O esforço teórico e político da interseccionalidade deve ser considerado no contexto dinâmica social em que vivem as crianças, particularmente seus modos de vida e relações sociais em condições concretas de existência. Isso se dá na relação com os adultos e em condições objetivas de existência. Portanto, uma infância e uma criança real, atravessada pelas formas de dominação, discriminação e exclusão. Essa categoria constitui-se como instrumento de luta política, da inclusão dessas minorias, da afirmação dos Direitos Humanos e em favor da justiça social. Visto dessa forma, é um importante “aporte teórico metodológico para se pensar múltiplas exclusões e como de fato construir estratégias para o enfrentamento desse paradigma” (ASSIS, 2019 p. 20) 

Tomada como uma estratégia de (des)velamento da realidade e suas formas de racismo, patriarcalismo e opressão de classe, a interseccionalidade problematiza a própria realidade em busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. Estão em questão os fundamentos da desigualdade e a lógica em que ela coloca em subordinação a categoria infância em relação aos demarcadores sociais das diferenças. Assim, é preciso não só identificar o demarcador social da exclusão mais evidente nos estudos e pesquisas, como também compreender como que ele, na intersecção com outros, reafirma lugares de subalternidades.  

Nesse sentido, o estudo da interseccionalidade constitui-se como um compromisso teórico e político com as experiências sociais dos sujeitos e de coletividades marginalizadas. A questão da diferença ganha sentido quando relacionada ao combate à discriminação, à subordinação e à marginalização, ou seja, à favor da promoção da justiça social (ALEXANDER-FLOYD; NIKOL G., 2012).  

No campo da infância, 

a análise    interseccional    constitui-se    em    ferramenta    teórico-metodológica para compreender e desvelar os processos de interação entre relações de  podere  categoriascomo  classe,  gêneroe  raça  em contextos individuais, práticas coletivas e arranjos culturais/institucionais. (SANTIAGO 2019, p. 88)

Os estudos da infância buscam na interseccionalidade a desconstrução de assimetrias e exercícios de poder em que as crianças estão submetidas. Tem-se uma perspectiva descolonizadora, como modo de  “captar  a  complexidade  da articulação  entre  […]  diferenças  sociais” (SANTIAGO,  2019, p.  88). O estudo das infâncias, numa perspectiva interseccional, exige uma postura do adulto em considerar a voz da criança que pode ser traduzida no silêncio, no olhar, no gesto, na escuta, na acolhida. Busca apreender a criança na sua diferença de idade, gênero, raça, classe entre outros. 

O GEPCEI discute a perspectiva da infância no sentido de desconstrução dos   mecanismos   de   reprodução   do   poder   no   âmbito   dos   diferentes contextos educativos e sociais: 

no convívio social, as crianças pequenas constroem suas identidades, aprendem   desde   pequenas   os   significados   de   serem   meninas   ou meninos, negras e brancas e experimentam nas relações do cotidiano da creche e da pré-escola a condição social (FINCO e OLIVEIRA, 2011, p. 63)

Nesse sentido, os estudos do GEPCEI tomam as contradições sociais, os processos de exclusão e assujeitamentos das crianças como pontos de partida para os estudos com base na decolonialidade e interseccionalidade. Está em causa os processos de compreensão das crianças como sujeitos sociais e não como objetos de estudos científicos. Assim, reafirma-se a necessidade de 

olhares plurais com/sobre as crianças e as pedagogias decoloniais, com vistas a problematizarmos a colonialidade do poder, do ser e do saber (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2017 p. 47)

Objetiva-se que os estudos e pesquisas do GEPCEI contribuam para uma análise crítica da realidade onde as relações sociais de raça, sexo e classe atravessam a vida das crianças e impõem desafios para a adoção de políticas públicas comprometidas com a garantia de direitos. Assim, a interseccionalidade é um instrumento para os movimentos antirracistas, feministas e instâncias protetivas dos Direitos Humanos e, especial, de luta pela garantia dos direitos das crianças.  

 

REFERÊNCIAS 

ALEXANDER-Floyd,  Nikol  G.  2012.  Disappearing  acts: reclaiming intersectionality in social sciences in pos-t-black  feminist  era.  Feminist  Formations  24  (1):  1-25. https://doi.org/10.1353/ff.2012.0003  

ASSIS, Dayane N. Conceição de. Interseccionalidades. Salvador: UFBA, Instituto de Humanidades, Artes e Ciências; Superintendência de Educação a Distância, 2019. 

FINCO, Daniela; OLIVEIRA, Fabiana. A sociologia da pequena infância e a diversidade de gênero e de raça nas instituições de educação infantil. In: FINCO, Daniela; FARIA, Ana Lúcia G. (Orgs.). Sociologia da Infância no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2011. 

PEREIRA, Artur Oriel; SANTIAGO, Flavio. Cadernos de Gênero e Diversidade. Vol 07, N. 01 – Jan. – Mar., 2021| https://portalseer.ufba.br/index.php/cadgendiv 

SANTIAGO, Flávio. “Não é nenê, ela é preta”: educação infantil e pensamento interseccional. Educação em Revista. Belo Horizont, v.36, 2020. 

SANTIAGO, Flávio. Eu quero ser o Sol!: (re)interpretações das intersecções entre as relações raciais e de gênero nas culturas infantis entre as crianças de 0-3 anos em creche.   115f.   Tese (Doutorado). Faculdade de Educação.   Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2019. 

SANTIAGO, Flávio; FARIA, Ana Lúcia Goulart de. Feminismo negro e pensamento interseccional: contribuições para as pesquisas das culturas infantis. Educação e Sociedade., Campinas, v. 42, e239933, 2021 

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